Fernando Tadeu


UMA (RE)INVENÇÃO DO ORIENTE POR MEIO DE PRÁTICAS INTELECTUAIS DISCURSIVAS E JOGOS DE PODER
Fernando Tadeu Germinatti

Introdução
O oriente e o ocidente  enquanto  discursos e objetos  para  análise florescem nessa pesquisa mediados pelas práticas de poder que o cercam e os constituem, formam-se além de nomeações territoriais, em sentido geográfico, mas sim vistos por um prisma plural e mais complexo, um tanto filosófico e político, que exigem um debate mais profundo. É sintomático inferir que como ponto de partida podemos trazer o texto “Orientalismo: O Oriente como invenção do Ocidente.”  de Edward Said, e assim constando, nesse sentido, pretende-se demonstrar que a teoria política e social moderna enraizada em perspectivas etnocêntricas, de modo que, argumenta-se que o discurso do "choque de civilizações" é um esquema explicativo intentando remodelar e reformar o outro, mantendo a contemporaneidade das representações coloniais que se arrastam pela história, compreendendo para melhor desenvolvimento do argumento, é claro, que  “a história é o discurso do poder, o discurso das obrigações pelas quais o poder submete; é também o discurso do brilho pelo qual o poder fascina, aterroriza, imobiliza” (FOUCAULT 1999, p. 79). 
Na esteira dessas considerações, nos agradecimentos de O local da cultura, o crítico indo-britânico Homi Bhabha (1998, p. 11) menciona a obra pioneira de Edward Said, que lhe forneceu “um terreno crítico e um projeto intelectual”. Ao ressaltar a face de que alguns elementos que norteiam essa discussão voltam-se ao imperialismo europeu na medida em que cabe reflexão a respeito dos discursos de orientalismo e concomitantemente uma evolução epistêmica de sua noção e aplicabilidade, no sentido de enquadramento identitário, pois como assevera Said, é , portanto, um discurso de dominação mundial de ordem imperialista, e  que  orientalismo, como prática descritiva, não é individual, resultante discursivo de um só autor, mas um coletivo de ideias e trabalhos "produzido por um número quase incontável de autores individuais (...)" (SAID, 2007, p. 35).
Ao se deter sobre esse debate, de início, outrossim, ainda nos séculos XVIII e XIX, é de se compreender que o orientalismo passou a ser enquadrado em categoria de problematização  quando o colonialismo, tanto o de caráter inglês como o  francês estavam ainda em auge. Cabe ressaltar que, nos trabalhos de autores pós-coloniais, como Edward Said e Homi Bhabha, a influência dos pensadores pós-estruturalistas autores como Foucault, Lacan e Derrida são patentes para compreensão da discussão ocidentalização X oriente. Isso implica também a visível necessidade, nos intrincados argumentos, de se ater aos argumentos imperialistas, vale assinalar, nessa seara, que a argumentação é direcionada a retratar as disparidades discursivas que criaram-se pelas políticas imperialistas com relação ao oriente e suas práticas.
Saliente-se ainda  que,  no bojo dessa discussão, urge articular os argumentos dos historiadores ingleses Eric Hobsbawm e Edward Palmer Thompson caminham no sentido a direcionar a violência, ainda que simbólica, exercida pelos discursos eurocentrados. É indubitável, portanto, que formas de dominação simbólica se criam nos discursos imperialistas sobre a ideia, constituição e noção de oriente. Para tanto, como forma estratégica, nesse sentido, a violência simbólica “é o mecanismo pelo qual o poder é exercido” (THOMPSON, 1991, p. 23). Outrossim, vista e exercida discursivamente, é  digno de nota e pertinente para a presente discussão ressaltar que , na mesma direção, o historiador Eric Hobsbawm afirmou que a maior parte do século XX foi derivada de tentativas anteriores de sociedades em imitar um modelo ocidental, visto como “[...] sociedades que geram progresso [...], poder e cultura da riqueza, com o ‘desenvolvimento’ técnico-científico [...]. Não havia outro modelo operacional além da ‘ocidentalização’ ou ‘modernização’, ou o que se queira chamá-lo.”
É visível que dimensionados os esforços em considerar a abordagem de estudo imperialista,  é pois, nesse diapasão, que se dão as relações em nível centro-periferia. Talvez seja pertinente, no que permeia o argumento nesse nível, entender que tal condição dispare entre desenvolvido e não desenvolvido, avançado e não avançado e civilizado e não civilizado seja resultado decorrente de uma prática colonial. Nesse fluxo, conforme pondera Oyèrónké Oyěwùmí (2004) uma característica marcante na modernidade que se erguera fora a expansão da Europa o conhecimento de hegemonia cultural euro-americana em todo o mundo, o que concomitantemente provocou a racialização do conhecimento, cabendo à Europa papel de fonte de conhecimento e os europeus como conhecedores.  No discurso colonial, o corpo colonizado foi visto como corpo destituído de vontade, subjetividade, pronto para servir e destituído de voz (Hooks, 1995).
Assim constando, a colonialidade do saber expõe que os saberes, a subjetividade, o pensamento intelectual e o discurso carregam e são constituídos de  pensamento hegemônico, aqui chegamos a um ponto chave da discussão ao trazer a hegemonia enquanto conceito, nesse sentido, é imperial para o debate que de acordo com  Gramsci, precisamente, o conceito de hegemonia é uma chave de leitura histórica, de análise dos processos (GRUPPI, 1978. p. 80). Algo muito próximo do que o próprio Said toma a hegemonia desenvolvida por Gramsci, sendo razoável supor, então, que a hegemonia retratada dá-se em forma simbólica na estrutura representativa ocidental. Em termos objetivos, nessa mesma matriz de pensamento, é importante salientar que a partir dessa concepção, a lógica ocidentalista ou ocidentalizada obedece a um padrão, de desvalorização do “outro” enquanto figura antropológica, o panorama que sustenta tal afirmava parte da consideração de que nesta conjuntura, a invisibilização proposital ou até mesmo uma desmoralização das práticas orientais, decerto:
“Muito do investimento pessoal neste estudo deriva da minha consciência de ser um ‘oriental’, por ter sido uma criança que cresceu em duas colônias britânicas. Toda a minha educação, naquelas colônias (Palestina e Egito) e nos Estados Unidos, foi ocidental, e ainda assim aquela primeira consciência profunda persistiu. De muitas maneiras, o meu estudo do Orientalismo foi uma tentativa de inventariar em mim o sujeito oriental, os traços da cultura cuja dominação tem sido um fator tão poderoso na vida de todos os orientais. É por isso que para mim o Oriente islâmico teve de ser o centro da atenção. [...] Ao longo do caminho, com toda a severidade e a racionalidade de que fui capaz, tentei manter uma consciência crítica, bem como empregar aqueles instrumentos de pesquisa histórica, humanística e cultural de que a minha educação me tornou o feliz beneficiário. Em nada disso, entretanto, jamais perdi a consciência da realidade cultural de um ‘oriental’, o envolvimento pessoal de ter sido constituído como um ‘oriental’”. (Said, 2007, p. 57).
Diante do exposto, surge o questionamento:  De que forma e a partir de quando que construções discursivas erguem-se no sentido a desmoralizar o que toca práticas culturais, história e por fim o próprio povo oriental ?. Se levarmos em conta que como expõe Said (SAID, 2007, pg.275). “O orientalismo tem sido uma espécie de consenso: certas coisas, certos tipos de afirmação, certos tipos de obra parecem corretos ao orientalista” . Cabe aqui pontuar, seguindo o raciocínio de Said a produção cultural e discursiva do ocidente sobre o oriente. Aqui expõe-se produções culturais árabes e asiáticas que fogem ao domínio eurocêntrico. Nessa linha, não há como escapar da face etnocêntrica,  operado numa perspectiva de categoria racial, é importante salientar que (...) que são uma raça submetida, dominados por uma raça que os conhece e sabe o que é bom para eles melhor do que eles poderiam jamais saber sobre si mesmos. Os seus grandes momentos estão no passado; são úteis no mundo moderno apenas porque os impérios poderosos e atualizados tiram - nos efetivamente da desgraça do próprio declínio e transformaram-nos em residentes reabilitados e colônias produtivas. (SAID, 2007, p. 55).
Cabe, também, fazer a mesma reflexão de que categoria analítica de raça como forma de dominação colonial, em que, por ora, convém apontar que
“os movimentos imperialistas, calcados em argumentos raciais para justificar sua dominação, assim sendo, o imperialismo, conforme sinaliza Bruit (1994, p. 14), reuniu todos os elementos de prismas econômicos, políticos, racistas e sociais  e científicos do século XIX, contudo, trazia em seu caráter  e anseio mais profundo a visão e implantação das relações capitalistas de produção que ignoram  ou / e propositalmente excluem o saber cultural e o próprio indivíduo oriental enquanto “outro”.  Assim, é de se compreender que tratar alguns humanos como seres à margem do escopo da lei — se torna uma das táticas pelas quais uma civilização ‘ocidental’ supostamente distinta busca se definir em relação e por oposição a uma população compreendida, por definição, como ilegítima” (BUTLER, 2007, p. 229-230).
Nesta perspectiva da historiadora Judith Butler, é pertinente comentar que o oriente ou em contraponto a ocidentalização se cria preliminarmente nas relações de poder, some-se a isto “Seria incorreto acreditar que o Oriente foi criado – ou, como digo, ‘orientalizado’ – e acreditar que tais coisas acontecem simplesmente como uma necessidade da imaginação. A relação entre o Ocidente e o Oriente é uma relação de poder, de dominação, de graus variáveis de uma hegemonia complexa (...).” (SAID, 2007, p. 32). Dentro desses parâmetros, é em meio a esse cenário, que se desenha as relações de poder que envolvem os discursos a respeito da constituição do oriente. Em suma, o  ponto incisivo  e  seria o poder de construção de narrativas, ou, por outro lado, o poder de impedir que surjam outras narrativas (SAID, 1995, p. 12-13).
Em conclusão, a discussão teórica levantada permite dizer que a construção do ocidente enquanto espaço de evolução e civilidade é construído por um discurso de poder e é evidenciado pelas práticas culturais e predominância do pensamento eurocêntrico intelectual. Por fim, é importante afirmar que o debate sobre o orientalismo  não se encerra com o fim deste texto, mas pelo contrário, abre espaço para novas discussões e produções culturais e intelectuais de origem árabe e asiática.
Referências
Fernando Tadeu Germinatti é mestrando em história pela Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO); Pós-Graduado em Sociologia e ensino de sociologia pelo Centro Universitário Claretiano (CEUCLAR) e  Pós-Graduado em História Social pela Universidade Cândido Mendes (UCAM).
BHABHA, Homi K. O local da cultura. Trad. Myriam Ávila, Eliana Lourenço de LimaReis, Gláucia Renate Gonçalves. Belo Horizonte: UFMG, 1998.
BRUIT, H. H. O imperialismo. 12. ed. rev. atual. São Paulo: Atual, 1994.
BUTLER, Judith. O limbo de Guatánamo. Novos estud. – CEBRAP, São Paulo, n. 77, mar. 2007
FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
GRUPPI, L. 1978. O conceito de hegemonia em Gramsci. Rio de Janeiro: Graal.
HOBSBAWM, E. Era dos extremos: O breve século XX (1914-1991), 2 ed. São Paulo: Cia da Letras, 1995.
HOOKS, bell. Intelectuais negras. Estudos Feministas, v. 3, n. 2, p. 464-469, 1995.
OYĚWÙMÍ, Oyèrónké. Conceituando o gênero: os fundamentos eurocêntricos dos conceitos feministas e o desafio das epistemologias africanas. Tradução para uso didático de: OYĚWÙMÍ, Oyèrónké. Conceptualizing Gender: The Eurocentric Foundations of Feminist Concepts and the challenge of African Epistemologies. African Gender Scholarship: Concepts, Methodologies and Paradigms. CODESRIA Gender Series. Volume 1, Dakar, CODESRIA, 2004, p. 1-8.
SAID, Edward W . Orientalismo: O Oriente como invenção do Ocidente. Trad. Rosaura Eichenberg. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
______Cultura e imperialismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.


2 comentários:

  1. Prezado Fernando, gostaria de saber como você avalia a presença do Oriente livros didáticos.

    Obrigada

    Kenia Gusmão Medeiros

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    1. Olá, Boa Tarde.

      Ótimo ponto levantado por você, então, gostaria de trazer umas experiências pessoais que corroboram com o que vou inferir, portanto, começo dizendo no ano de 2017 eu fiz estágio em uma escola pública e lecionei para turmas do 6º ao 9º ano, e lá percebi o quanto eram raras e estigmatizadas as leituras em torno do oriente. Os que eu tive acesso na época voltavam-se ao oriente no século 21 lembrando logo de início do atentado contra as Torres Gêmeas, Al-Qaeda e o terrorismo e agora posteriormente Primavera Árabe, Estado Islâmico e refugiados Sírios, tive que partir para materiais alternativos, como outros textos que valorizassem a cultura Oriental, sua história e também as consecutivas abordagens e invasões que o ocidente , em especial países como os EUA provocaram nos países orientais tentando impor uma visão universal de mundo, espero ter respondido bem sua indagação,

      Agradecido.

      Fernando Tadeu Germinatti

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