Matheus Oliva


TRANSPLANTAÇÃO DAS RELIGIÕES COMO MODELO TEÓRICO DE PESQUISA SOBRE MIGRAÇÃO: O CASO DO DAOISMO NO BRASIL
Matheus Oliva da Costa

Introdução
A história das religiões pode ser estudada de diferentes maneiras, sob as mais diversas perspectivas teóricas. Dentro do campo geral das Ciências Humanas e Sociais, que observam as religiões enquanto produções humanas frutos de seus contextos, existe a teoria da transplantação das religiões (TTR), modelo que proporciona ferramentas para o estudo de processos migratórios de religiões. Trata-se de uma perspectiva própria da Ciência das Religiões (Religionswissenschaft) para o estudo do processo migratório das religiões.
No presente texto vamos apresentar sinteticamente essa teoria e exemplificar com o caso do Daoismo no Brasil, pesquisa fruto do nosso mestrado na área de Ciência das Religiões (Costa, 2015). O objetivo é investigar a utilidade do modelo da TTR, levantando o questionamento de quais são seus alcances e seus limites heurísticos. O método usado consiste em revisão bibliográfica, análise teórica através da TTR, somado aos dados observados em pesquisa de campo e documental durante o mestrado entre 2013 e 2015.
Teoria da Transplantação das Religiões
A Ciência das Religiões é organizada basicamente em dois ramos teóricos, desde a tese de 1924 do cientista das religiões Joachim Wach (2018; Costa, 2019): o empírico e o sistemático. O ramo empírico, também conhecido como “história das religiões”, engloba as pesquisas específicas que se preocupam com a descrição de dados de determinada tradição cultural religiosa, estudados via pesquisa de campo ou documental. O ramo sistemático é caracterizado por pesquisas que buscam organizar, classificar, comparar ou teorizar sobre religiões a partir dos dados empíricos. Ambos os ramos se nutrem, sendo complementares e interdependentes.
A teoria da transplantação das religiões (TTR) nasceu da demanda do ramo empírico de estudar a dinâmica das religiões, mais especificamente para pesquisar as religiões em fluxo migratório. Para isso, foi proposto um modelo teórico e metodológico de realizar investigações sobre as migrações religiosas, utilizando dos conhecimentos classificatórios e dos conceitos dos estudos científicos sobre religiões. Dentro desse contexto científico, a TTR foi desenvolvida pelo cientista das religiões Michael Pye (1969).
Ao debater com outros autores clássicos da Ciência da Religião, como Van der Leeuw e Pettazzoni, Pye (1969) afirma que escolheu o termo “transplantação” visando incluir aspectos conscientes e inconscientes. Buscou abranger noções de missão, propagação, transmissão e suas consequências, como o sincretismo, a ambiguidade cultural, reavivamentos e reformas. Pye (1969, p. 236) avisa aos leitores incomodados com a nomenclatura escolhida: mesmo que transplantação nos remeta a um jardineiro consciente de que trabalha em seu jardim, deve-se incluir em nossa mente a imagem de sementes transplantadas pelo vento ou involuntariamente por insetos.
A seguir, vamos expor brevemente a contribuição que consideramos mais relevante de cada autor encontrado em nossa revisão bibliográfica específica sobre a TTR. Depois resumiremos os pontos principais da TTR. Para uma visão mais detalhada e completa da TTR, indicamos a leitura do capítulo teórico da nossa dissertação de mestrado e dos autores discutidos (Costa, 2015).
Michael Pye (1969), além de criar formalmente a TTR, propõe cinco conjuntos de diferenciação e três movimentos culturais. Os conjuntos de diferenciação seriam fatores a serem investigados no processo de migração das religiões, que destacamos o fato de existirem fatores religiosos ou não e de não são necessariamente sequenciais. Os três movimentos culturais são: (i) contatos culturais, (ii) ambiguidade e (iii) recuperação. Sua maior contribuição é mostrar que em todo processo de migração religiosa ocorre uma dialética entre (re)ações de ambiguidade e de recuperação (ou inovações e conservadorismos), tanto por parte das religiões como por parte da cultura de recepção.
Anos depois o cientista das religiões Martin Baumann (1994) aumentou os “movimentos culturais” de Pye, chamando-os de modos processuais: (i) contato, (ii) confrontação e conflito, (iii) ambiguidade e adaptação, (iv) recuperação ou reorientação, (v) desenvolvimento independente e inovador. Ele também propôs que observássemos sete possíveis estratégias de adaptação que as religiões utilizariam: tradução, redução, reinterpretação, tolerância, assimilação, absorção e aculturação. Uma importante dica dada por este autor que é tradições mais flexíveis irão incentivar ambiguidades para serem aceitas nos novos ambientes em que são recebidas.
Michel Clasquin (1999) chama atenção para os processos mais conscientes de migração, como as ações “missionárias”. Afirma que há níveis de aprofundamento ou sucesso do missionário: contato inicial, penetração cultural e dominância. A “penetração cultural” depende de como os modos processuais da transplantação vão acumulando informações e experiências, e como isso é usado pelos divulgadores internos ou externos às religiões. Assim, é essencial entender como e em que sentido é vista a questão da divulgação das ideias e práticas pela própria tradição em seu período inicial e ao longo de seu desenvolvimento.
Ellen Goldberg (1999) levantou a relevância da questão do “orientalismo” denunciado por E. Said (1990) para a TTR, se tratando de tradições asiáticas. Para ela é necessário atentar para a representação/imaginário social da religião transplantada pela cultura de recebimento antes da chegada física desta mesma religião, principalmente nas fontes escritas. Por outro lado, é importante perceber como a nova religião asiática utiliza da sua representação (é orientalista?), de elementos da religião dominante do novo ambiente e de recursos leigos/seculares da sua época para ser mais bem recebida e ter adeptos.
Ronan Pereira (2001), o único historiador dentre todos estes cientistas das religiões, tal como a autora anterior alerta para o valor dos momentos históricos anteriores da religião recém-chegada. Ou seja, a situação em que a religião estava em seu ambiente “original” antes de migrar pode enviesar suas atitudes no novo ambiente. Da mesma forma, fatores externos podem incentivar ou gerar obstáculos, sendo que três deles se destacam: avanço tecnológico, o impacto da espiritualidade Nova Era e o contexto sociopolítico de recepção.
O brasileiro Rafael Shoji (2004) propõe outra perspectiva sobre a dialética original entre ambiguidade e recuperação, já que vê uma dialética entre uma “harmonização local” e uma “legitimação estrangeira” no processo de transplantação. Significa que a ambiguidade busca, mais exatamente, a harmonização com a cultural local de recepção, enquanto a recuperação tende a supervalorizar as raízes estrangeiras das tradições, buscando legitimação. Pensando nas estratégias de adaptação que as pessoas da religião migrante usam, acrescenta as possíveis posturas de: nativização, instrumentalização, relativização e sobrevivência.
Outra autora que repensou a dialética própria da TTR foi Pauline Kollontai (2007). Ela observa um continuo processo de construção, desconstrução e reconstrução de crenças, práticas e identidades religiosas. De maneira sistemática, Kollontai (2007) aponta cinco fatores principais que ajudam a identificar novas formas de mudanças cultural-religiosas: (i) natureza estrutural da religião no momento pré-migração, (ii) representação local sobre que é religião da cultura receptora, (iii) como os migrantes chegaram e em que contexto, (iv) natureza estrutural do grupo migrante, (v) natureza da reação dos anfitriões (há preconceitos? Há integração?).
A partir das leituras anteriores nós (Costa, 2015) reorganizamos a estrutura dos modos processuais da seguinte forma: 0 – Pré-transplantação, 1 – Contato, 2 – Comparações, 3 – Ambiguidade, 4 – Recuperações, 5 – Inovações. A observação dos contextos de recepção e da religião migrante passam a serem vistos como parte integral do processo de transplantação, bem como o segundo modo processual é visto como ocorrendo comparações em geral (positivas, negativas ou neutras), e não apenas confrontações. De maneira sistemática, é feita a distinção teórica entre as constantes do processo migratório (os modos processuais) e as variáveis da transplantação – ver quadro sobre a teoria em sua versão completa em Costa, 2015, ou na versão simplifica, à frente.

Sistematização da Teoria da Transplantação das Religiões (Costa, 2015)
Objetivo da teoria
Modos processuais (constantes)
Variáveis
Entender a dialética entre atitudes adaptativas e conservadoras no processo de migração de religiões
0 – Pré-transplantação
1 – Contato
2 – Comparações
3 – Ambiguidade
4 – Recuperações
5 – Inovações
(1) fatores externos,
(2) fatores cultural-religiosos,
(3) fatores de representação social;

Essa descrição das principais contribuições específicas já aponta para possíveis sistematizações sobre a TTR. Um delas é que é uma teoria própria da Ciência das Religiões, com contribuições mais recentes de historiadores. Outro aspecto é que tem participação de autores da Alemanha, África do Sul, EUA, Inglaterra e Brasil, tendo, assim, uma perspectiva bastante global e aplicada a diferentes contextos. É notável que se trata de uma perspectiva teórica de viés sócio histórico e cultural sobre a migração de religiões, mas que pode ser aplicada para outros casos não religiosos, como práticas corporais ou terapias (Apolloni, 2004; Moraes, 2007).
Quanto aos pressupostos gerais da TTR, podemos afirmar que o objetivo dessa teoria é entender como ocorre os processos de migração de religiões. Quem utiliza da TTR tem como objeto de estudo as reações da cultura receptora e as estratégias de divulgação da religião em migração. O ponto central da TTR é perceber como ocorre a dialética entre ambiguidade e recuperação a partir de cada caso. Estes dois movimentos proporcionam os seis modos processuais da transplantação, que podem ser vistos como constantes, numa visão de longo prazo e seguindo diferentes ordens para ocorrer conforme as condições presentes. Todo o processo é formado por muitas variáveis que enviesam os rumos da transplantação.
O processo de transplantação do Daoismo ao Brasil
O Daoismo (ou Taoísmo) é uma das tradições chinesas mais complexas, e qualquer exposição sobre ela é parcial ou, no mínimo, sintética. Em nossa pesquisa (Costa, 2015) buscamos apresentar um panorama geral para que leigos nessa temática possam compreender o Daoismo. Aqui vamos apenas apontar alguns aspectos constitutivos básicos e históricos que o leitor precisa saber.
Para uma compreensão sintética da tradição daoísta seguimos Isabelle Robinet (1997), que interpreta o Daoismo como “um todo coerente”. Ou seja, um complexo de tradições heterogêneas acumuladas e sintetizadas continuamente de modo a gerar sistemas de sentido aos seus praticantes. O cientista das religiões James Miller (2008, p. 1, tradução nossa) propõe dividir a história do Daoismo em “quatro períodos: proto Daoismo, Daoismo clássico, Daoismo moderno e o Daoismo contemporâneo”.
Em termos de proto Daoismo, significa que suas raízes se confundem com a própria antiguidade chinesa, o que a faz ter a representação de ser uma religião chinesa por excelência. No entanto, sua institucionalização enquanto um grupo social autodenominado “daoísta” ocorreu somente no final da dinastia Hàn (século 2 da Era Comum), início do período clássico. Entre os diversos grupos e linhagens, destacamos a Unidade Ortodoxa (Zhèng yī 正一), também conhecida como Mestres Celestiais (Tiānshī 天师).
O período “moderno” (final da dinastia Táng em 907 e a dinastia Qīng , 1644-1911), sendo marcada pela estruturação dessa tradição. Nesse momento houve a publicação de seu Canon em sua maior extensão, a solidificação de alguns ritos cerimoniais e de práticas individuais como a “alquimia interna”, bem como algumas cosmovisões comuns a todas as linhagens formais de sacerdotes. Por fim, o período contemporâneo é caracterizado pelo crescimento de preconceito dentro da própria cultura chinesa devido a influências do colonialismo europeu, mas também houve a  internacionalização da tradição e sua organização em associações civis.
Nesse último período, quando ocorreu sua internacionalização, o Daoismo chegou também ao Brasil através de diferentes linhagens, seja por via de migrantes chineses ou brasileiros que a buscaram na China (Costa, 2015). Entre as diversas linhagens e tradições presentes aqui vamos analisar o caso da Sociedade Taoísta do Brasil (STB), que pesquisamos empiricamente. A STB foi fundada nos anos 1990 no Rio de Janeiro, e nos anos 2000 em São Paulo, por um imigrante taiwanês naturalizado brasileiro, Wu Jyh Cherng (Wǔ Zhìchéng 武志成) e representa duas tradições daoístas: a linhagem taiwanesa dos Mestres Celestiais e a Escola Oeste de Alquimia Interna (Nèidān Xīpài 内丹西派). Vamos agora a cada um dos seis modos processuais aplicados ao caso da STB.
(0) Pré-transplantação. Do lado da religião migrante, dois aspectos marcam o momento histórico do Daoismo antes de chegar ao Brasil: (I)sua  expansão mundial; e (II) a ferida colonial aberta na tradição que tem enviesado tanto a forma como ela é representada visões “orientalistas” externamente como a sua autorrepresentação. Do lado da cultura de recepção, a cultura brasileira apresentava um momento histórico mais propício para o contato com culturas asiáticas, observando uma abertura cultural a elementos dessa origem.
(1) Contato. Avanços tecnológicos nas comunicações e transportes, somado a sucessivas aproximações políticas e culturas entre Brasil e China desde o final do século XX, e mais fortemente no século XXI, possibilitaram ondas de contato cultural entre Daoismo e cultura brasileira. As duas primeiras ondas ocorrem com forte presença das representações orientalistas, sobretudo pelo contato majoritário com fontes visuais e textuais daoístas através de literatura e movimentos esotéricos e novaeristas. A última onda se distingue pela presença de linhagens de transmissão tradicionais do Daoismo trazido por iniciados.
(2) Comparações. Podemos diferenciar três tipos de comparações: discriminatórias (ofensivas), por espelhamento (mais suaves), ou comparações dialogais. A STB e seu fundador realizaram comparações dialogais e de espelhamento buscando serem melhor compreendidos na cultura de recebimento (Brasil), e raramente é observada comparações discriminatórias. Três temas são mais recorrentes nas comparações: a relação entre “ocidente” e “oriente”, as diferenças e semelhanças com a oferta dominante (Catolicismo) e outras religiões (Budismo, Tradições Afro), e comparações entre a representação brasileira comum sobre Daoismo (filosofia com um fundador ou patricarca) e o que Cherng defendia ser essa tradição (religião ou tradição ancestral).
(3) Ambiguidades. As ambiguidades de significados ocorrem da interação do Daoismo com a religião brasileira (Bittencourt Filho, 2001), ou seja, com o as tradições espirituais brasileiras não institucionalizadas amplamente praticadas pela população, especialmente com terminologias de matriz cristã ou afro-brasileira. Cherng e os líderes formados por ele fizeram amplo uso de “iscas” indiretas para “pescar” possíveis interessados, sendo este seu modo principal de atrair futuros convertidos. Essas “iscas” podem ser vistas como a estratégia redução ou seleção da divulgação num primeiro momento, deixando possíveis aprofundamentos, detalhamentos ou comprometimentos dos futuros convertidos para depois. Outra estratégia recorrente foi a de acomodação, usada para falar de quanto a linguagem nativa brasileira é acrescentada ao sistema daoísta, mas sem abrir mão da estrutura “original” da tradição, caracterizando uma tática de “harmonização” com a cultura dos novos adeptos. Por exemplo: um iniciado perguntou se poderia colocar uma imagem cristã de “Maria” em seu altar daoísta, e o sacerdote de São Paulo respondeu que poderia coloca-la em um dos lados do altar se houver uma divindade daoísta no centro.
(4) Recuperação. Inferimos que a própria existência e divulgação do Daoismo pela STB pode ser vista como um movimento de ortodoxia e ortopraxia do Daoismo no Brasil, já que o Daoismo não era oferecido antes com sacerdotes, cerimonias e iniciações formais. Observamos, tal como outros estudos anteriores (Murray, Miller, 2013), que a STB conseguiu estabelecer em sua comunidade um senso de autenticidade através de um senso de linhagem, proporcionada por uma legitimação estrangeira. O formato e modo de funcionamento da STB têm como parâmetro os esforços do seu fundador por oferecer um Daoismo entendido como “autêntico”, mas adaptado à cultura brasileira, o que é a provado pelos membros desse grupo daoísta, todos brasileiros/as. A decisão de investir em traduções de textos em chinês foi uma tática de recuperação, e faz Cherng e seus seguidores se destacarem de todas as demais comunidades daoístas brasileiras.
(5) Inovação. Defendemos que existem três dimensões da “inovação”: a) inovação interna à religião; b) circularidade ou retorno, e c) nativização de elementos estrangeiros. “a)” Há em um Daoismo tradicional praticado por sacerdotes e iniciados sem ligação étnica chinesa e legitimados por fontes daoístas chinesas. Também o uso de modelos católicos de organização ritual (cadeiras viradas ao altar e ritos feitos em finais de semana) é algo novo ao Daoismo, entre outros exemplos. “b)” O parâmetro de transmissão da tradição a brasileiros criado pelos esforços de Cherng e seus discípulos são uma inovação que circulou novamente à Táiwān, onde a ideia foi recebida e readaptada.  “c)” Foi possível observar praticantes que começaram a seguir o paradigma chinês daoísta de se relacionar com outras culturas, modelos de comportamento e de cosmovisões, como o uso de calendários astrológicos daoístas.
Conclusões: balanço teórico da TTR
Na introdução indicamos que nosso objetivo no presente texto é investigar a utilidade do modelo da TTR. Após a exposição da teoria, e uma breve aplicação de um recorte da nossa pesquisa de mestrado, é possível observar que a TTR é útil ao entendimento sócio histórico e cultural do processo de migração de uma religião outro espaço. Sua utilidade consiste principalmente em mostrar como existem processos constantes (os seis modos processuais) que sempre ocorreram em todos os casos estudados e provavelmente vão ocorrer em outros casos que podem ser investigados. A TTR é também aberta a percepção das diferentes variáveis que fazem cada transplantação ser singular para cada religião, o que proporciona diálogos com outras teorias sócio históricas e culturais que possam lhe complementar.
Também levantamos o questionamento de quais são os alcances e os limites heurísticos da TTR. Em termos de vantagens, essa teoria é útil principalmente por ser simples, clara e bem estruturada, podendo ser facilmente aplicável em outros casos e por diferentes pesquisadores/as. Como dissemos, sua estrutura aberta e compatível com outras ideias a torna uma ferramenta adequada de ser usado junto a outros arcabouços teóricos, e, inclusive, por ser útil para estudar não somente religiões, mas também sua explicação alcança vários tipos de fenômenos culturais.
No entanto, em termos de limites, a TTR foi pensada para estudar religiões institucionalizadas e específicas, além de ter uma perspectiva temporal de longa duração histórica. Isso cria a dificuldade em estudar religiões não institucionalizadas, como tradições populares ou novas religiões ainda pouco estruturadas. Pelo fato de que a TTR fornece ferramentas para estudar apenas uma instituição pela primeira vez, ocorre também a limitação de possibilitar normalmente estudos de caso a caso – o que pode ser uma vantagem, dependendo do que se pretende. Por fim, uma crítica que pode ser feita é que a TTR pode focar demais em apenas duas culturas, numa visão apenas bilateral de um processo que tende a ser multifocal e complexo. Para corrigir esse problema, basta levar em conta que as tradições, inclusive as religiosas, podem ter mais de um centro, e passar por mais de um local durante o processo migratório, sendo necessário observar o impacto de cada um dos contextos que formam a transplantação.
Referências
Matheus Oliva da Costa é cientista das religiões com Licenciatura Plena pela UNIMONTES, mestre e doutor em Ciência da Religião pela PUC-SP. Suas pesquisas têm como foco as culturas chinesas, em especial, artes marciais, religiões e filosofias. É coordenador da Licenciatura em Filosofia da Faculdade EBRAMEC. Email: matheusskt@hotmail.com.
APOLLONI, Rodrigo Wolff. Shaolin à Brasileira: Estudo Sobre a Presença e a Transformação de Elementos Religiosos Orientais no Kung-Fu Praticado no Brasil. Dissertação de Mestrado em Ciências da Religião. São Paulo: PUC-SP, 2004.
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COSTA, Matheus Oliva da. Daoismo Tropical: Transplantação do Daoismo ao Brasil através da Sociedade Taoísta do Brasil e da Sociedade Taoísta SP. Mestrado em Ciência da Religião, PUC-SP: São Paulo, 2015.
COSTA, Matheus Oliva da. Ciência da Religião Aplicada como o terceiro ramo da Religionswissenschaft: História, análises e propostas de atuação profissional. Doutorado em Ciência da Religião. PUC-SP: São Paulo, 2019.
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9 comentários:

  1. Primeiramente, quero agradecer ao Mateus que me incentivou a colocar um trabalho aqui no Simpósio. Queria colocar uma reflexão sobre o tema. Todas as religiões ocidentais e orientais receberam, em larga medida, a influência do hermetismo, sua divulgação é atribuída às rotas comerciais (seda e especiarias), porém seguiram tradições distintas, ao ponto de Rudyard Kipling dizer "Leste é leste, oeste é oeste, e os gêmeos nunca devem se encontrar". Com base nesse ciclo comum, muito se trabalhou a nível religioso, exotérico e esotérico, filosófico no sentido de uma busca de uma crença comum. Minha pergunta é no sentido se haveria apenas transplante das religiões, ou também um certo grau de reconhecimento de uma linguagem ancestral comum, como imagem do que seria entre nós, o reconhecimento da existência de uma língua indo-européia original?

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    1. Obrigado pela pergunta, Luiz. Fico feliz com sua participação.
      Do meu ponto de vista como pesquisador da Ciência das Religiões, sei dizer que essa ciência se preocupou em responder sua pergunta no século XIX, especialmente através do seu criador, Max Muller, mas de maneiras parecidas por outros também, como Daniel Chantepie de la Saussaye.
      Ao longo do século XX a pergunta sobre possíveis "origens" comuns perdeu o sentido, tanto na Ciência das Religiões como na História ou Antropologia. A preocupação se tornou mais investigar de maneira mais contextual e a partir de fontes primárias (pessoas, documentos etc.), o que fez reinar uma tendência mais historicista, culturalista e de objetos de estudos específicos, desacreditando em teorias gerais como uma suposta “origem comum”.
      Contudo, desde os anos 1990, temos na Ciência das Religiões e na Antropologia o retorno de linguagens e interesses que chamarei de "cognitivos". Na minha área chamamos de "neo comparativismo" e "ciência cognitiva das religiões", em cientistas das religiões como Armin Geertz ou Luther Mantin, e pelo pesquisador interdisciplinar Robert McCauley. Em geral, trata-se da união das modernas teorias e metodologias biológicas, das neurociências e da Arqueologia com as Ciências Humanas. Nesses casos, o interesse não é em uma "origem comum", mas no impacto da "evolução biológica" (no sentido neo darwiniano atual) dos nossos ancestrais nas culturas da humanidade, que pode ser resumido no interesse na "evolução cultural" num sentido bem específico do século XXI, que é bem diferente do século XIX.

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  2. Oi Matheus,
    será possível, no futuro, pensar um 'daoísmo brasileiro'?
    grande abraço!
    André =)

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    1. Olá André. Obrigado pela pergunta.
      Na verdade o que eu e outros pesquisadores canadenses (D. Murray e J. Miller) concluímos em nossa pesquisa de campo junto aos praticantes daoistas da Sociedade Taoísta do Brasil é que eles fazem um Daoismo simultaneamente chinês, brasileiro e híbrido.
      Por outro lado, autores norte americanos como Siegler tem falado de um "American daoism" (Daoismo estadunidense), que seria uma tradição com contornos próprios, não visto em outro local, nem na China.
      Algo nesse sentido pode ser visto aqui, mas ainda é pouco expressivo. Pretendo estudar alguns grupos assim no futuro.

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    2. E você não acha que elas podem vir a ser incorporadas nas religiões brasileiras, como no caso da umbanda? A Umbanda fez uma aproximação muito interessante com o Hinduísmo na década de 50, e hoje eles tem a 'linha do oriente', que incorpora um diálogo com religiões asiáticos. Enfim, voando no tema... =)
      obrigado por estar conosco!

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    3. Vamos pensar juntos. Eu que agradeço.
      Hoje mesmo tive uma conversa sobre semelhanças entre Umbanda e Daoismo. Realmente visualizo essa possibilidade de hibridação em solo brasileiro. No caso das tradições hindus, o conceito de "carma" já era entendido, de alguma maneira, por parte da população brasileira, devido à difusão do Kardecismo. Para o Daoismo (ou algum dos seus elementos) ser recebido em maior escala, seguindo algumas teorias, deveria haver alguma continuidade de capital cultural entre Daoismo e cultura brasileira, como houve com a noção de "carma". E, claro, isso teria que ser notado e abraçado por grupos que difundiriam isso. É por isso mesmo que há alguns anos tenho argumentado em publicações que as novas religiões chinesas (Falun Dafa, Yiguandao, mestra Qinghai) tem bem mais adeptos aqui do que as religiões tradicionais chinesas, devido a maior adaptabilidade com a cultura brasileira que aquelas apresentam.

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  3. Ricardo Pereira Pinto - UFF 07/08/2019
    Olá Matheus Costa !
    Gostaria de refletir melhor se todas as etapas que foram descritas de forma sistemática como estratégia no processo de transplantação migratória é na prática monitorada de maneira racionalmente consciente por todas as religiões ou pode acontecer de algumas tradições ancestrais cumprir com este mesmo processo de forma inteiramente intuitiva?

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    1. Olá Ricardo, obrigado pela pergunta.
      Acredito que a migração de uma religião é um processo tanto sistemático (ainda que não consciente ou planejado), e, ao mesmo tempo, intuitivo. Não vejo como ser "inteiramente" intuitivo ou "inteiramente" sistemático. O ser humano, que é o agente que realiza a migração, é racional e intuitivo, entre outros atributos.
      Ricardo, foi nesse sentido que refletiu, ou pensou em outro coisa?
      Abraços

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    2. Muito obrigado Matheus. Eu também entendo que existe uma proporção de razão e intuição na migração de uma religião uma vez que são atributos inatos ao ser humano. Grande abraço !

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