ESTUDOS PÓS-COLONIAIS E DECOLONIAIS: UMA PERSPECTIVA
COMPARATIVA ENTRE O ORIENTALISMO DE EDWARD SAID E OS ESTUDOS DECOLONIAIS
Lucas Pereira Arruda
Daniel Nunes Ferreira Junior
Daniel Nunes Ferreira Junior
A teoria pós-colonial
Nos anos posteriores a segunda guerra mundial
um número sem precedentes de movimentos contra o colonialismo europeu e a favor
da independência dos países colonizados fizeram ressurgir dentro das
universidades uma série de discussões sobre o processo de expansão e
colonização europeia no mundo, suas diferentes formas de dominação, assim como suas
consequências. Os principais movimentos de independência desse período,
interpretados por Thomas Bonnici (2014) como a 3º onda de independência, são os
africanos e asiáticos.
O movimento intelectual
influenciado por essa 3 onda de independência ficou conhecido como
Pós-Colonialismo. Seus principais nomes são Edward Said, Homi Bhabha, Stuart
Hall, Frantz Fanon, Aime Cesaire, Gayatri Spivak dentre outros. Esses autores
tentaram evidenciar a violência do colonialismo compreendendo a cultura como
elemento central de suas análises, evidenciando de que forma o colonialismo se
manteve como dominante por tanto tempo.
As críticas ao
colonialismo sempre existiram, mas se tornaram parte das reflexões acadêmica a
partir do livro Orientalismo de
Edward Said publicado em 1978. A partir dessa obra dezenas de outros grupos
surgiram, como os Estudos Subalternos Indianos e Latino-Americanos, também
críticos do colonialismo e do eurocentrismo.
Explica Hall (2003) que
a teoria pós-colonial está vinculado a uma interpretação marxista não
reducionista ao poder econômico, inspirados em pensadores como Gramsci e
Althusser. Assim, a teoria pós-colonial,
fundada nos anos seguintes a descolonização europeia no mundo, faz uma
discussão crítica em torno dos símbolos e signos, colocando no centro as
relações de poder entre as culturas e civilizações.
Em 1914 os impérios
europeus possuíam 85% do mundo, na forma de colônias, protetorados,
dependências, domínios e commonwealths. Juntas Grã-Bretanha e a França
controlavam territórios imensos: “Canadá, Austrália, Nova Zelândia, as colônias
na América do Norte e do Sul, o Caribe, grandes extensões na África, Oriente
Médio, Extremo Oriente [...] e a totalidade do subcontinente indiano”. (SAID,
2011, p.39) Apesar disso, em meados dos anos 70 quase todo o mundo colonial
conseguiu independência e o ocidente como um todo entrou em crise, tanto
econômica quanto epistemicamente.
Durante a colonização
grande parte da vida dos colonos foi moldada numa relação desigual entre
grupos: um dominante e outro dominado. Eram impostos aos nativos trabalharem
forçosamente, estudarem em escolas inglesas, aprenderem o idioma do colonizador
e abandonarem suas crenças, ritos e costumes (considerados primitivos e
irracionais) para se tornarem pessoas “civilizadas”, que pensassem e agissem de
forma “ocidental”.
Dessa forma, os teóricos
pós-coloniais construíram suas teorias de forma a mostrar a violência do poder
colonial e lutar contra sua consequente dissolução. Aimé Cesaire lutava pela
independência da Martinica, Fanon pela libertação da Argélia e Said pela da
Palestina. Todos os intelectuais pós-coloniais estavam vinculados a uma
tradição de produção intelectual que colocava pesquisa acadêmica e luta
política lado a lado.
Edward Said, intelectual
e humanista palestino, considerado o primeiro expoente do pos-colonialismo nos
EUA, defendeu suas teses contra o colonialismo em duas obras principais:
“Orientalismo – o oriente como invenção do ocidente” (1990) e “Cultura e
Imperialismo”. (2011) Said propõe uma análise geral de como cultura,
imperialismo e eurocentrismo foram e são partes constitutivas das culturas
modernas. O teórico palestino afirma que os povos autodenominados de ocidentais
(Inglaterra, França, Alemanha, EUA) criaram uma representação falsa e
depreciativa dos povos dominados pelo poder colonial, de forma a retirar sua
humanidade – ou pelo menos coloca-la num patamar inferior – para legitimar sua
intervenção em territórios distantes. Através da análise representativa dos
cânones da cultura ocidental, Said expõe como a literatura, a música, a
filosofia, a política e as artes em geral, foram importantes para espalhar o
orientalismo como forma de pensar e representar o outro dentro da cultura
dominante europeia.
Os colonizadores
britânicos então representaram as centenas de milhares de povos nativos do
continente africano como seres primitivos, bestiais, selvagens, atrasados no
tempo, assim como colocaram os indianos como fracos, medrosos e mentirosos.
Vemos essas representações no discurso político de pessoas como Benjamin
Disraeli, Arthur Balfour, Charles Trevelyan, nos escritos políticos e
filosóficos de Thomas Carlyle, John Stuart Mill e John Ruskin, na ópera de
Giuseppe Verdi, na literatura de Jane Austen, Rudyard Kipling, Joseph Conrad,
E.M Forster, T.E Lawrence, dentre muitos outros. Os imperialistas franceses
colocaram os árabes como povos incivilizados e incapazes de gerirem sua própria
vida, sendo então parte do processo colonizador a “missão civilizadora” que
ensinaria os povos “inferiores” a serem legitimamente seres humanos.
Para dar robustez
teórica, Said usa o conceito de discurso de Foucault, de cultura de Gramsci, de
literatura e romance de Lukaks, de imperialismo de Michael Doyle, dentro outros
conceitos e teóricos europeus para embasar sua pesquisa e construir uma crítica
a civilização ocidental.
O pós-colonialismo de
Said analisa as relações sociais assimétricas construídas durante o processo de
colonização, como relações raciais, de gênero e de classe a partir de diversas
formas de representação, como contos, escritos de viajantes, literatura,
filmes, discursos, evidenciando que a lógica da construção dos argumentos
pós-ocidente sempre se baseiam na relação sujeito (agente dominante) objeto
(outro dominado).
As primeiras obras de
resistência vinculadas a teoria pós-colonial datam dos anos 50 e 60 nos
escritos de Aimé Cesaire e Frantz Fanon. A partir dos anos 70 entra na
discussão acadêmica através do pensamento de Said e se espalha pelo mundo
através de vários departamentos. Segundo os decoloniais, praticamente todas
essas pesquisas – mesmo que contra o colonialismo do homem branco europeu –
ainda os colocavam no centro da história. As histórias narrativas partiam de
europeus agindo em territórios distantes como queriam. Essa forma estética e
narrativa de fazer pesquisa acadêmica não dava a voz necessária aos grupos
dominados.
Said compreendeu que os
estudos pós-coloniais estavam priorizando formas estéticas de análise que ainda
colocavam os europeus como produtores da história, e só em Cultura e Imperialismo, publicado em 1995, discute as formas de
resistência que sempre surgiram durante o período colonial. De obras muçulmanas
críticas a invasão Napoleônica ao Egito, passando por textos feministas
discutindo o papel da mulher no Islã, a literatura africana de resistência, o
pós-colonialismo se mostrou que sempre houve diversas formas de resistência a
opressão.
Os estudos decoloniais
Segundo Mignolo, o grupo
de estudos que ficou mundialmente conhecido como “Decolonial” surgiu de uma
ruptura do grupo “Estudos Subalternos Latino Americanos” que tinham como
referenciais teóricos Jacques Derrida e Michel Foucault. Os decoloniais
reivindicam uma ruptura total com a epistemologia ocidental, não aceitando o
uso de referenciais europeus no fundamento de suas reflexões. Grosfoguel (2008)
explica que existiam dois grupos de Estudos Subalternos, um indiano e outro
latino-americano. O grupo latino americano se dividiu em 1998, quando uma série
de pensadores chegaram à conclusão de que era necessário descolonizar também o
pensamento pós-colonial. Grande parte dos teóricos subalternos latino
americanos moravam nos EUA e produziam seus estudos sobre a perspectiva
subalterna, e não a partir dela. Nesse primeiro momento os saberes produzidos
na América Latina eram vistos como objetos de pesquisa por alguns
pesquisadores. Reivindicando mais radicalismo o grupo se separou e um novo foi
formado, o grupo de Estudos Decoloniais. Esta é uma primeira diferença entre os
estudos pós-coloniais e decoloniais. Dessa forma os decoloniais romperam tanto
com o pós-colonialismo como com os estudos subalternos.
Se contrapondo ao
pós-colonialismo, que segundo Mignolo surgiu de um misto de pós-estruturalismo
francês, pós-modernismo e marxismo não ortodoxo, o decolonialismo tem como
referência o pensamento dos próprios nativos que conseguiram construir
narrativas contra o colonialismo. Para Grosfoguel (2008) a descolonização do
pensamento só pode ser conseguida de forma efetiva se levarmos a sério as
perspectivas dos pensadores do sul, que produzem suas narrativas a partir de
lugares étnico-raciais/sexuais subalternizados.
O pensamento decolonial,
como afirma Mignolo (2007) “surgiu como contraponto a
modernidade/colonialidade, dentro das américas – no pensamento indígena e
afro-caribenho, e na África e Ásia em contrapartida ao colonialismo inglês e
francês.” O pensamento decolonial se diferencia da teoria pós-colonial porque a
genealogia destes se localiza no pós-estruturalismo francês e em outras correntes
do pensamento europeu, e apesar de criticar a forma “ocidental” de pensar não
abre mão de seus referenciais teóricos europeus.
O pensamento
descolonial, pelo contrário, se arranha em outros palanques. No caso de Waman
Poma, nas línguas, nas memórias indígenas confrontadas com a modernidade
nascente; no caso de Cugoano, nas memórias e experiências da escravidão,
confrontadas com as colocações da modernidade, tanto na economia como na teoria
política. O pensamento descolonial, ao colocar-se sobre experiências e
discursos como os de Waman Poma e Cugoano nas colônias das Américas, se
desprende (amigavelmente) da crítica pós-colonial. (MIGNOLO, 2007)
Similaridades e diferenças
Ambas as teorias são
contra o domínio europeu no mundo, seja econômica ou epistemicamente. Para
lutarem contra o poder colonial criaram grupos de estudos dentro das
universidades mundo afora que evidenciassem as formas da dominação ocidental –
que passa desde a imposição do trabalho a formas de se interpretar a realidade.
Porém, por mais que as
críticas pós-coloniais, como o orientalismo de Said, sejam anticoloniais e
anti-eurocêntrica, elas partem de uma analise que se concentra na ação dos
agentes imperiais; na forma como estes representaram o mundo. Ou seja, ainda
coloca o sujeito imperial europeu no centro. Os decoloniais propõem o
contrário: criar uma interpretação da realidade que parta de lugares não
europeus. Argumenta Grosfoguel (2008), por exemplo, que sempre tendemos a
explicar o colonialismo e o avanço do capitalismo do mundo a partir da ação dos
sujeitos europeus. “Como seria o sistema-mundo se
deslocássemos o lócus da enunciação, transferindo-o do homem europeu
para as mulheres indígenas das Américas, como, por exemplo, Rigoberta Menchu da
Guatemala ou Domitilia da Bolívia?” (GROSFOGUEL, 2008, p.121-122) Essa é a
proposta epistemológica dos decoloniais para descolonizarmos nossas mentes.
O conceito central que
permeia toda a obra de Said é o “orientalismo”, ou seja, a representação criada
pelos agentes do poder colonial que tirava a subjetividade do outro considerado
diferente e legitimava a violência do poder colonial. Já na obra de Mignolo a
chave-explicativa da realidade é a “colonialidade do poder” e o “giro
decolonial”. Este primeiro termo foi criado por Aníbal Quijano e expandida por
Grosfoguel (2008). Através dele tenta-se explicar a estrutura de poder que foi
criada nas colônias dominadas pelos europeus. Grosfoguel (2008) argumenta que a
colonialidade do poder são estruturas de poder e conhecimento que privilegiam,
a “raça” branca em relação a outras formas de classificação dos seres humanos,
o homem em relação a mulher, a heterossexualidade em relação as outras formas
de relacionamento entre os sexos, a formação de classes decorrente a estrutura
de trabalho organizada pela divisão internacional do trabalho, o cristianismo
em relação a outras formas de espiritualidade, os conhecimentos ocidentais a
formas interpretações da realidade, a uma hierarquia linguística que considera
a línguas europeias mais legitimas.
O giro decolonial, por
sua vez, é a tentativa de criar novas interpretações da realidade que fujam
narrativa clássica que coloca o europeu no centro. O decolonialismo parte do
ponto de vista dos não-ocidentais, daqueles que foram marginalizados pelo
sistema, e tenta a partir deles, criar novas formas de se conceber a realidade.
Explica Mignolo “O giro descolonial é a abertura e a
liberdade do pensamento e de outras formas de vida (outras economias, outras
teorias políticas); a limpeza da colonialidade do ser e do saber; o
desprendimento da retórica da modernidade e de seu imaginário imperial
articulado na retórica da democracia.” (MIGNOLO,
2007)
O giro descolonial tenta tirar o europeu do centro das
histórias.
Por mais crítico que fosse o pós-colonialismo suas análises sempre tinham como
escopo de análise o homem branco europeu. Na busca de tentar demonstrar como o
homem colonial europeu exerceu poder e subjugou as outras formas de vida, ele
continua reforçando o paradigma do europeu no centro, mesmo que seja no centro
da crítica. A proposta decolonial é então girar a análise e partir dos saberes
e narrativas dos nativos.
Outro ponto de
divergência: os decoloniais se posicionam em uma reinterpretação da história,
que coloca como ponto de partida da modernidade a colonização portuguesa e
espanhola sobre a América Latina e o Caribe, a partir do século XV, tendo como
movimento intelectual o Renascimento. Os pós-coloniais afirmam que a
modernidade decorre do neocolonialismo na Ásia e África, no século XIX,
decorrentes do Iluminismo.
Foi só a partir da
exploração das “Índias Ocidentais” e da criação do Circuito Comercial do
Atlântico que a Europa pode se desenvolver econômica e militarmente. Neste
primeiro momento as terras anexadas aos impérios europeus foram incorporadas ao
território Europeu e imaginadas como parte do ocidente, dai o nome Índias
Ocidentais. Quando Inglaterra e França ascendem como potências coloniais as
colônias já não são mais pensadas como extensão do ocidente, mas como um lugar
misterioso, diferente, dotado de outros saberes e de outra temporalidade, como
nos explica Said em Orientalismo e Cultura e Imperialismo.
Neste movimento de
anexação das Américas ao imaginário ocidental e da criação da alteridade no
oriente e na África, os colonos e pensadores europeus criaram um sistema de
classificação e representação racial, onde colocaram os milhares de povos
nativos da América como indígenas e os da África como negros, assim como
impuseram a estes sistemas de trabalhos baseados na classificação racial – servidão
para os índios e escravidão para os negros. Além disso impuseram a religião
cristã a esses povos, suprimiram suas línguas e saberes locais, assim como
forçaram a classificação binária de gênero entre homem e mulher. Essa matriz de
poder foi denominada por Quijano de colonialidade do poder. Foi a partir da
criação do sistema de classificação racial que os dominantes europeus
conseguiram criar relações sociais capitalistas/ patriarcais/raciais/coloniais.
Conclusão
O pós-colonialismo surge
como reação aos processos de independência da Índia, África e Oriente Médio.
Esses territórios foram construídos como alteridade ao ocidente, como
diferentes. Os europeus legitimaram a dominação através da classificação racial
e da inferiorização desses povos. É por isso que provavelmente os teóricos
pós-coloniais focaram suas análises no poder europeu, porque suas sociedades
haviam sido controladas, mas seus saberes, práticas religiosas, e sua cultura
em geral não foram apagadas. Já o decolonialismo foca suas análises da
descolonização total do pensamento porque foi capaz de ver que as Américas
foram colonizadas para serem parte do Ocidente, por isso o genocídio dos índios
e o total apagamento da história dos povos negros trazidos da África. As
sociedades criadas nas Américas se consideram parte do ocidente e não se veem
como dominados, mostrando que existe aqui uma ideologia da assimilação. Não nos
vemos como diferentes, mas como parte do sistema. A descolonização total do
pensamento vem para forçar nossa reflexão, mostrar que fomos dominados de tal
forma que nem mais conseguimos ver a dominação. Devemos construir uma episte
cumulativa, que englobe as mais diversas formas de conhecimento e representação
da realidade, desde que estas nos ajudem a compreender o mundo e a nós mesmos.
Referências
Lucas Pereira Arruda:
Mestrando em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Maringá (UEM).
Estuda os processos de independência da África e a literatura de resistência
produzida neste período. Atualmente é professor de sociologia e filosofia no
Colégio São Marcos, em Jandaia do Sul.
Daniel Nunes Ferreira
Junior: Graduando em História pela Universidade Estadual de Maringá (UEM).
Estuda a geopolítica eurasiana, com enfoque na China e em sua Iniciativa, Belt
and Road Initiative. Atualmente é pesquisador do LabTempo (Laboratório do Tempo
Presente) - UEM.
GROSFOGUEL, Ramón. “Para
descolonizar os estudos de economia política e os estudos pós-coloniais:
Transmodernidade, pensamento de fronteira e colonialidade global”. Revista Crítica de Ciências Sociais,
80, Março 2008: 115-147.
HALL, Stuart. Da Diáspora: identidades e mediações
culturais. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003
MIGNOLO, Walter. Histórias locais / projetos globais:
colonialidade, saberes subalternos e pensamento liminar. Belo Horizonte:
Editora UFMG, 2003.
_________.“A
colonialidade de cabo a rabo: o hemisfério ocidental no horizonte conceitual da
modernidade”. In. A Colonialidade do
Saber: eurocentrismo e ciências sociais. LANDER, Edgardo (org). Buenos
Aires: Clacso Livros, 2005. pp.71-103
_________.
“El
pensamiento decolonial: desprendimiento y apertura. Un manifiesto. In: El giro
decolonial: reflexiones para una diversidad epistémica más allá del capitalismo
global / compiladores: Santiago Castro-Gómez y Ramón Grosfoguel. – Bogotá,
Instituto Pensar, 2007.
QUIJANO,
Anibal. Colonialidade do poder, Eurocentrismo e América Latina. In: A
colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas
latino-americanas. Buenos Aires. Editora CLACSO, 2005
SAID, Edward W. Cultura
e Imperialismo. São Paulo, Editora Companhia das Letras, 2011.
_________.
Orientalismo,
o Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
Me parece que a crítica realizada pelo pós-colonianismo ao marxismo é injusta quando afirma: "Explica Hall (2003) que a teoria pós-colonial está vinculado a uma interpretação marxista não reducionista ao poder econômico". Na verdade o Marxismo nunca foi reducionista ao poder econômico, deveriam se referir assim ao marxismo vulgar, determinista, formal, economicista, transvigurado pelo stalinismo.
ResponderExcluirO marxismo afirma que apenas em ÚLTIMA instância a economia é determinante e que as idéias tem o poder de ganhar força material.
Sobre o decolonialismo, me parece por um lado positivo o movimento de resistência intelectual que o gerou, pois coloca os oprimidos como protagonistas de suas próprias histórias, mas por outro lado ao tentar negar todas as elaborações intelectuais europeias despressam uma importante parte do desenvolvimento humano que não é produto exclusivo europeu. Afinal o conhecimento, por exemplo, de chinês, árabes, egípcios e tantos outros povos foram fundamentais para a medicina, álgebra, engenharia, geometria e uma infinidade de inventos e elaborações teóricas apropriadas pelos europeus.
A crítica marxista ao conjunto da sociedade capitalista, guiada centralmente pela acumulação de riquesa em uma pequena porção de homens que detêm os meios de produção em um reduzido número de países centrais em detrimento de todo o resto da humanidade que vê o aumento da pobreza, me parece que segue válida e de grande utilidade para todos que querem mudar nossa realidade.
Ouvinte: Gleidson Fernando Rocha dos Santos
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ResponderExcluirSabendo que o orientalismo compreende o campo de estudo baseado nos povos orientais, ou seja, o estudo do seu modo de vida,crenças,arte,bem como sua cultura. Qual a relação entre a exploração colonial e o orientalismo?
ResponderExcluir(Hélido veras silva)
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ExcluirOlá, Hélido. Obrigado pela pergunta!
ExcluirA forma como eu uso o conceito "orientalismo" é diferente deste que você explicitou. Existe sim uma área de estudos sobre os povos orientais chamada de orientalismo, mas o conceito aqui usado se remete a terminologia descrita por Edward Said, nos livros "Orientalismo, o oriente como invenção do Ocidente" e "Cultura e Imperialismo".
Para Said é importante estudar como o orientalismo e o eurocentrismo se tornaram hegemônicos nas culturas ocidentais a partir das obras científicas, literárias e filosóficas. O orientalismo, neste sentido, é entendido como o conjunto de representações criadas pelos ocidentais de forma a depreciar os povos denominados de orientais. Segundo Said, essa forma de representação pejorativa, foi crucial para legitimar a expansão colonial européia, pois as pessoas do oriente médio e do extremo oriente foram representadas como selvagens, primitivas, atrasadas culturalmente; sendo então dever dos europeus "civilizar" esses povos através do colonialismo.
Indico para você a leitura do livro "Orientalismo" de Edward Said.
Espero ter respondido,
Abraços
Lucas Pereira Arruda
Acredito ser de fundamental importância a virada epistemológica dos países da ásia e da áfrica no intuito de promover uma reinterpretação das suas histórias, no entanto creio que mesmo que a crítica pós-colonialista de Said contenha uma visão eurocêntrica, justamente pelo fato de ter no centro dela o europeu, mesmo que de forma crítica, há de se valer daquilo que pode nutrir com maior vigor uma virada epistemológica. Said consegue desmembrar a estrutura criada em todos os âmbitos do domínio colonial europeu, contribuindo, assim, para um maior entendimento da articulação colonialista européia. O Embate teórico, nesse sentido, na minha visão de iniciante em assuntos orientalistas e colonialistas, diminui a força da consolidação de uma visão renovada acerca dos povos asiáticos e africanos.
ResponderExcluirOuvinte: Roberto Joaquim da Silva Filho
Olá, Roberto. Obrigado pela contribuição!
ExcluirConcordo com tudo o que você disse! De fato ignorar a contribuição do pensamento pós-colonial ou mesmo dos avanços promovidos pelo iluminismo me parecem criar um novo tipo de dogma no pensamento crítico. A minha avaliação é de que os pensadores decoloniais se colocaram dessa forma para tentar ganhar terreno dentro do pensamento de esquerda latino-americano. Seria parecido com aquilo que o Bourdieu chama de disputas dentro do campo. Nesse caso o campo do pensamento crítico.
Lucas Pereira Arruda
Boa tarde,
ResponderExcluirÉ muito relevante a realização desses estudos que pautam a analise Decolonial,gostaria de saber na sua visão as possibilidades que os estudos decoloniais trazem para o debate historiográfico?
Particularmente acredito numa grande contribuição para a escrita da história.
Att.
Lailson Costa Duarte
Olá, Lailson. Obrigado pela pergunta!
ExcluirDe fato, como sabemos, a história é uma narrativa. Se tomarmos como base o pensamento decolonial na pesquisa historiográfica, certamente construiremos conhecimento de forma diferente. Partindo da teoria pós-moderna entendemos que existem válidos lados a serem pontuados na pesquisa, onde todos são igualmente válidos para a compreensão do fenômeno estudado. A partir do decolonialismo compreendemos que é de suma importância colocarmos aqueles que foram sentenciados pela história como protagonistas. Quem sabe assim conseguimos contribuir, mesmo que de forma insignificante, para um mundo onde as diferentes narrativas sejam consideradas tão válidas quanto as dominantes.
Abraços,
Lucas Pereira Arruda
Bom dia,
ResponderExcluirSe retomarmos os primórdios da Antropologia, sobretudo a Evolucionista de Frazer, Morgan e Tylor, veremos que as representações criadas eram óticas imperiais que buscaram legitimar a violência da incursão civilizadora sobre os povos nativos, criando categorias e conjuntos simbólicos inferiores aos da cultura branca européia.
Gostaria que comentassem qual o peso do Relativismo Cultural na construção do pós-colonialismo e dos estudos decoloniais, ao passo que buscam a emancipação do prisma analítico eurocêntrico.
Wellington Lucas dos Santos
Olá, Wellington. Obrigado pela pergunta!
ExcluirCreio que os estudos pós-coloniais e decoloniais se afastam da perspectiva antropológica de relativismo, porque, apesar de ter sido uma teoria muito importante no inicio do século XX; por quebrar paradigmas a muito estabelicidos na cultura ocidental, o relativismo puro e simples é visto como um ponto de análise ingênuo. O simples fato de relativizar o conceito de cultura - colocando todas as expressões materiais e simbólicas dos povos como válidas - não expressa de fato as relações de poder que existem dentro de cada cultura. O pós-colonialismo e o decolonialismo tentar evidenciar que dentro de todas as culturas existem relações de poder que precisam ser evidenciadas e combatidas. Acho que essa é a principal diferença entre as teorias.
Espero ter respondido,
Abraços,
Lucas Pereira Arruda.
Olá, Boa Tarde.
ResponderExcluirBem pertinente o texto de vocês, se aproxima do meu: UMA (RE)INVENÇÃO DO ORIENTE POR MEIO DE PRÁTICAS INTELECTUAIS DISCURSIVAS E JOGOS DE PODER, especialmente quando tento tratar do oriente enquanto um discurso de poder, mas gostaria de saber se vocês percebem também que além desse imaginário ocidental que possibilitou a escravidão de indígenas e negros, esse imaginário colonial também trabalhou em torno da formação do desenvolvimento científico em torno da eugenia e do racismo científico, conseguem ver esse laço ?,
Grato.
Fernando Tadeu Germinatti
Olá, Fernando. Muito obrigado pela excelente pergunta!
ExcluirO conceito de ciência, como conhecemos, se refere ao conjunto de saberes pertencentes a toda a humanidade, sem a qual não teríamos acesso as benesses da modernidade, como as novas tecnologias, que auxiliam no desenvolvimento econômico, e, portanto, no bem estar geral da civilização.
Bem, pelo menos este é o discurso oficial sobre o significado do termo “ciência”. O uso que fazemos da palavra “ciência” esconde que no passado o termo de origem na língua latina – “Scientia“ – era utilizado para designar o conhecimento de um modo geral, não especializado e sem um método único. Muitas formas de conhecimento eram chamadas de ciência. Ao estudarmos os usos da palavra ciência nos últimos séculos na Europa e nos países colonizados pelos europeus podemos constatar uma disputa entre os estudiosos, uma verdadeira luta política, para se decidir quais os significados aceitáveis para a “ciência” e quais as atividades que podem ser consideradas como científicas.
Inúmeros cientistas e filósofos europeus como Lineu, Blumenbach, Voltaire, Hume, Kant, Hegel, Comte, Durkheim, etc.- a lista é muito extensa – utilizaram a definição que criaram de ciência para se referirem aos povos não-europeus, como raças inferiores incapazes intelectualmente, já que estes não teriam criado a mesma forma de conhecimento primeiramente filosófico e depois científico; em segundo lugar, porque a definição de ciência baseada nos paradigmas das ciências naturais, que acabou prevalecendo até o presente no ocidente moderno, nega que outras formas de conhecimentos sejam dotadas de racionalidade, como os saberes populares, cosmologias, artes, e até mesmo as religiões ocidentais, o direito, a história e a filosofia.
O professor Walter Mignolo (2004, pág. 670) avalia que “o conceito moderno de conhecimento e de ciência foi concebido e usado para descartar conhecimentos e formas de saber” como as cosmologias dos povos africanos e indígenas das Américas, as religiões e os saberes islâmico-árabes ou os confucionistas-chineses”, por exemplo. “As consequências práticas das realizações científicas e a ideologia que as acompanha são hoje visíveis por todo o lado desde o extermínio da natureza até à marginalização e extermínio de seres humanos”, completa Mignolo (2004, pág. 677).
Mesmo que algumas vozes do pensamento europeu como os polêmicos Heidegger e Wittgenstein, ou os teóricos da chamada Escola de Frankfurt e, no final do século XX, o pensamento pós-colonial de Frantz Fanon, Amilcar Cabral, Edward Said, Anibal Quijano e Enrique Dussel, se oponham à concepção restritiva de ciência, no ocidente acabou prevalecendo nesta disputa um conjunto de significados que provocaram e ainda provocam muitos problemas para a produção de conhecimento e para a vida em sociedade.
O conceito de “ciência” permanece capturado por estudiosos que infundiram uma concepção que restringe e limita a atividade de pensar e estudar, pois se tornou burocrática, disciplinada e excessivamente especializada em alguns casos. A ciência ainda contribui para a corrupção das formas de convivência entre os humanos, já que possibilita a dominação política, as guerras tecnológicas, e a exploração econômica das classes dominadas através das tecnologias que gera e que são dominadas pelas empresas e Estados capitalistas mais ricos. Devemos recordar, ainda, o uso predatório do meio ambiente transformado em manancial de recursos naturais para as grandes empresas. É necessário, portanto, uma crítica severa à concepção dominante de ciência, para libertarmos o conhecimento das limitações que foram introduzidas pelos filósofos e cientistas modernos desde Descartes e Bacon.
O texto do Mignolo que usei como referência:
MIGNOLO, Walter. “Os esplendores e as misérias da “ciência”: colonialidade, geopolítica do conhecimento e pluri-versalidade epistêmica”. In: SANTOS, Boaventura de Sousa (org). Conhecimento prudente para uma vida decente: um discurso sobre as ciências revisitado. São Paulo, Cortez, 2004.
Espero ter respondido,
Um abraço,
Lucas Pereira Arruda.
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ResponderExcluirOlá Lucas e Daniel. parabéns pelo texto. Ele foi muito bem escrito e super didático para quem quer conhecer as linhas de pensamento: Pós-coloniais e Decolonialistas. Há entre os teóricos do Pós-Colonialismo uma diferenciação da dominação dos ocidentais na África e na Ásia ? Seriam formas distintas de atuação de afirmação hegemônica ou há a manutenção de um padrão para ambos?
ResponderExcluirJhonnatas Ribeiro de Carvalho
Prezados Lucas e Daniel, gostaria de parabenizá-los pelo texto. Gostaria também de compartilhar uma questão que sempre me vem à cabeça: segundo a percepção registrada na conclusão de que “Devemos construir uma episte cumulativa, que englobe as mais diversas formas de conhecimento e representação da realidade, desde que estas nos ajudem a compreender o mundo e a nós mesmos.”, haveria algum risco de cairmos, como pensadores, num “Orientalismo às avessas”???? Na hipótese de utilizarmos categorias de análise provenientes linguística e racionalmente de matrizes asiáticas, até que ponto não correríamos o risco de reproduzir os mesmos padrões de abordagens equivocadas na percepção de realidades tanto orientais quanto ocidentais...????
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