Luana Ueno


A ASSIMILAÇÃO COMO MECANISMO DE RESISTÊNCIA: NIKKEIS DIANTE DO DISCURSO ANTINIPÔNICO NO BRASIL (1908-1934)
Luana Martina Magalhães Ueno

A imigração japonesa para o Brasil, quando comparada aquela realizada em outros países, foi significativa em termos quantitativos e no tocante aos impactos culturais. Isso implicou pensar em questões como o outro e o diferente que demarcaram as relações sociais. Esse encontro de culturas diferentes foi marcado por resistências por parte dos nikkeis, na medida em que eles não se submeteram passivamente às relações de poder hegemônicas.
No Brasil, a imigração japonesa teve início em 1908, sendo considerada tardia diante das outras imigrações ocorridas no país (SAKURAI, 2000). Um dos motivos para isso foi que a elite brasileira, composta por intelectuais e eugenistas, tinha preferência pelos imigrantes europeus. A partir de 1850, o debate sobre a imigração passou a ocupar um lugar central no Brasil, pois com a proibição do tráfico negreiro iniciou-se uma crise em relação à mão de obra. Nesse momento a imigração tornou-se objeto para as discussões políticas, econômicas e sociais, pois as elites partiram do pressuposto de que havia uma relação entre a entrada de imigrantes e a mudança social (LESSER, 2001). Juntamente com a discussão da imigração, surgiu mais enfaticamente o ideal de branqueamento e as teorias raciais – baseadas nos discursos da Europa do século XIX –, em que os intelectuais e eugenistas brasileiros acreditavam que seria possível um melhoramento da população brasileira. Isso aconteceria através da introdução de imigrantes brancos, pois além de branquear o país eles trariam a modernidade. Portanto, a entrada de orientais e negros era vista de forma negativa, o que causaria uma degradação racial.
Quando se trata da imigração japonesa, são notáveis os conflitos existentes tanto no âmbito público e institucionalizado como também na vida privada e do cotidiano desses imigrantes. Diante disso, o objetivo deste ensaio é compreender como os nikkeis se apropriaram do conceito de assimilação presente nos discursos antinipônicos, transformando-os em táticas de resistência e defesa contra as estratégias impostas pelo discurso proferido por intelectuais e políticos brasileiros.
Cruzamento da etnia japonesa
Como fonte, utilizamos o livreto “Cruzamento da ethnia japoneza: hypothese de que o japonez não se cruza com outra ethnia”, publicado em 1934, em São Paulo, sob o patrocínio do Centro Nipônico de Cultura. Esse centro foi uma entidade formada por intelectuais pró-imigração para se insurgir à movimentação antinipônica. Era comum esse tipo de publicação receber apoio financeiro, declarados ou não, de entidades da comunidade japonesa (LESSER, 2001). O livreto foi escrito por Sadamu Noda, Riichiro Muroki e Nobukane Ishii, a fim de rebater os discursos antinipônicos propagados na Assembleia Constituinte de 1933. Como também foi uma tentativa para evitar a aprovação de uma lei que proibisse a imigração japonesa para o Brasil, visto que os autores do livreto tinham acesso às informações sobre esses debates através dos jornais da colônia japonesa. Portanto, os autores escreveram o livreto para argumentar que ocorria assimilação dos nikkeis. Como comprovação utilizaram fotografias de casais interétnicos, que moravam no sul do Paraná.
A primeira edição foi publicada em São Paulo e entregue diretamente aos deputados que participaram da constituinte de 1933. Tinha como objetivo desmitificar a ideia de que os nikkeis não eram assimiláveis e, além disso, trazem diversos argumentos e justificativas contra essa ideia. O documento é todo escrito em português, significando que foi direcionado apenas à sociedade brasileira, especificamente, para os constituintes. E nesse ensaio, não analisamos as fotografias, apenas os argumentos expostos. Com esse documento pode-se notar a resistência dos nikkeis ao discurso antinipônico, principalmente no âmbito intelectual, “demonstrando como certos nikkeis estavam cientes não somente dos debates antinipônicos, como também dos discursos que constituíam importante moeda simbólica no panorama nacional do Estado varguista” (ANDRÉ, 2011, p.81), mais que isso, demonstra também que sabiam negociar a identidade.
O livreto é composto por seis argumentos, sendo o último uma conclusão, buscando explicar as dificuldades que o imigrante japonês teve que enfrentar e que acabou prejudicando a assimilação. Além de existir um capítulo dedicado às sete fotografias de casais interétnicos e de seus filhos mestiços, denominado “Japonezes consorciados com extrangeiras”, com a finalidade de comprovar a assimilação dos japoneses, ou seja, consideradas como uma “prova científica”. Houve intensa participação dos nikkeis nesses discursos que defendiam a imigração, assim como, a ideia de assimilação, tornando-se comum aos jornais das colônias japonesas, nas seções de língua portuguesas, publicações de estatísticas que diziam que a cada cem casamentos de imigrantes japoneses 25 eram com cônjuges brasileiros, geralmente mulheres. Essas afirmativas eram incoerentes, pois:
“Um censo histórico amplo, abrangendo os quase 400 mil integrantes da colônia japonesa no Brasil, realizado em fins da década de 1950, mostra que os casamentos interétnicos entre os imigrantes eram raros. Entre 1908 e 1942, o índice era menos de 2% entre os imigrantes e de menos 6% entre os nikkeis” (LESSER, 2001, p.182).
Existem outras publicações que seguem a mesma linha de pensamento, como os livros do professor Bruno Lobo, em que são dedicados à questão da assimilação dos japoneses, alguns contém informações de casamentos interétnicos e uma série de fotografias de imigrantes japoneses casados com brasileiras e de seus filhos. Essa busca por provas de assimilação tem como intuito debater diretamente com os argumentos que dizem que os nikkeis eram inassimiláveis, sendo, portanto, uma tática, já que a tática negocia com o que é imposto e se organiza “dentro do campo do inimigo” (CERTEAU, 2014). Além disso, as operações da tática são por meio da utilização da manipulação dos espaços, o que, percebe-se nessa busca de “provas científicas” e na apropriação dos termos dos discursos antinipônicos, que se analisará a seguir.
O primeiro tópico “Factor-tempo” expõe argumentos sobre o processo da imigração japonesa e suas interrupções. De acordo com esse tópico, “é cedo ainda para se trazer á baila o problema do cruzamento dos immigrantes japonezes no Brasil, pois, desde que os primeiros immigrantes dessa nacionalidade aportaram a Santos, decorreram apenas cinco lustros. Desses sobreviveram apenas 200 e ainda velhos, em sua maioria [...]” (C.N.C, 1934, p.5). Nesse trecho, os autores referem-se aos primeiros ciclos da imigração japonesa, no entanto, cometem expressivos erros de dados sobre o número de imigrantes, com o intuito de causar uma manipulação a fim de validar a justificativa do porquê que nesses cinco lustros, ou 25 anos, ter ocorrido um número baixo da assimilação. A primeira chegada dos imigrantes japoneses para Brasil em 1908, foi de 731 imigrantes e “daquele ano em diante, 234 mil imigrantes se fixaram em quase toda parte do país [...]. No início da década de 1990 somaram, com seus descendentes, cerca de 1,2 milhões de pessoas” (SAKURAI, 2000, p.200). Outro argumento presente no livreto é que:
“Depois dessa primeira léva, a corrente immigratoria japoneza soffreu, não pouca vezes, interrupções em sua história, não se tendo verificado, por tal motivo, o augmento do seu volume como se desejaria que o fosse. O número de 150.000 japonezes calculado hoje no Brasil, é constituido, portanto, pelos que entraram nos últimos 10 annos” (C.N.C, 1934, p.6).
A imigração japonesa sofreu oscilações, restrições e foi proibida apenas na Segunda Guerra Mundial, quando cortaram as relações entre o Brasil e o Japão. Apesar das oscilações e interrupções, os imigrantes japoneses não deixaram de entrar no Brasil. Sakurai (2000) alega que as oscilações, no início da imigração, ocorreram porque havia uma preferência pela entrada dos imigrantes europeus.
Já o segundo tópico “A immigração japoneza e’ constituída por famílias, por eles formadas” discorre sobre o desejo dos imigrantes japoneses de se fixarem aqui no Brasil, buscarem o desenvolvimento do país e, por conta de serem em sua maioria agricultores, não vieram competir com os trabalhadores da cidade. Inicialmente, é exposto que:
“O objetivo essencial da immigração japoneza no facto dos immigrantes para aqui virem com animo de fixarem neste paiz reside difinitiva, adaptando-se aos seus costumes e delle fazerem a sua segunda pátria, e não como andorinhas que procuram temporariamente paragens de clima favorável” (C.N.C, 1934, p.6).
Nesse trecho, argumenta-se ainda, que o imigrante japonês veio ao Brasil com a intenção de pertencer à sociedade brasileira e ajudar no desenvolvimento do país, buscando desmitificar a ideia de que vieram com a intenção de uma imigração temporária. No entanto, a imigração japonesa, inicialmente, foi caracterizada como temporária, pois os imigrantes só queriam criar uma poupança e retornar para o país de origem e isso só começou a se modificar a partir da segunda fase, em que a imigração japonesa começou a ser subvencionada tanto pelo governo japonês como também pelas companhias de colonização. Argumenta-se ainda: “a intenção dos colonos japonezes, nunca lhes faltou, por parte do governo japonez, bôa vontade, estimulo e amparo ás correntes emmigratorias” (C.N.C, 1934, p.7). Como apresentado, o subsídio pelo governo japonês só começou quando ocorreu o corte definitivo do subsídio pelo estado de São Paulo. Portanto, a imigração tornou-se tutelada. A tutela do governo se definiu por um conjunto de ações voltadas para dar amparo nos setores básicos da vida dos imigrantes, entre elas: educação e saúde, sobretudo na vida econômica. Isso foi idealizado no Brasil, através dos consulados e de empresas colonizadoras (SAKURAI 2000).
Além disso, discorrem também que “ás correntes emmigratorias, certo como tem sido, que ellas sempre foi constituidas por famílias de agricultores [...] capazes de contribuir para o desenvolvimento do paiz que os recebe” (C.N.C, 1934, p.59). Ainda na questão da família, dissertam que “a experiência determinou, com clareza, que os trabalhadores sem família não permanecem muito tempo na lavoura, seduzidos pela vida fácil das cidades, onde acreditam arranjar qualquer trabalho mais suave e mais rendoso” (C.N.C, 1934, p.8). Os primeiros contingentes de imigrantes não eram, essencialmente, de agricultores, tanto que alguns imigrantes à medida que conseguiam acumular algum capital preferiam abandonar o trabalho na fazenda e dedicar-se a alguma atividade urbana. Outro ponto, é que as fugas das fazendas de café eram frequentes, isso devido às más condições das fazendas (ENNES, 2001).
Por fim, é alegado que:
“os immigrantes japonezes entrados no Brasil [...], não concorreram e nem concorrerão para o augmento do contingente dos sem trabalho das cidades. Ao contrário, permanecem nos campos, contribuindo efficazmente para o desenvolvimento economico do paiz” (C.N.C, 1934, p.8).
Nesse último trecho, nota-se a apropriação do argumento que trata o imigrante japonês como contribuinte para o desenvolvimento do país e que não disputaria empregos na cidade. Sendo um argumento muito utilizado pelos intelectuais pró-nipônicos, como aquele propagado por Bruno Lobo (1935); argumentou que o imigrante japonês contribui para o progresso da pátria e que são habitantes do campo e não concorrem com os sem trabalhos da cidade.
O terceiro tópico denominado: “Supremacia em número do sexo masculino sobre o feminino, offerecido pela immigração” se concentrou na justificativa de ter vindo mais imigrantes homens do que mulheres e por isso tornou-se comum mais casamentos entre nikkes com brasileiras, do que o contrário. O documento discorre que “quando se trata de emigração de qualquer paiz verifica-se, segundo as estatísticas, que ha certa supremacia do sexo masculino, em numero, em relação ao feminino” (C.N.C, 1934, p.9). O que se percebe é que nos primeiros contingentes de imigrantes japoneses que aportaram, em 1908, no Brasil, 601 eram do sexo masculino e 190 eram do sexo feminino. O fato de vir mais homens, era devido a sociedade japonesa, nesse contexto, ser muito patriarcal e patrilinear (ENNES, 2001). Argumentam também que é comum que a emigração seja vista como uma aventura, portanto:
“Dahi o constituir tal passo uma caracterizada aventura, para a realização da qual o homem sempre tomou iniciativa. Dahi a supremacia do sexo frágil sobre o forte sobre o fraco. Dahi, ainda, o facto da predisposição dos homens para o cruzamento com mulheres de outras raças e do consequente numero pequeno, insignificante mesmo, das mulheres lhes seguirem o exemplo. [...] Sendo, como é, a mulher japoneza, especialmente a camponeza, muito conservadora em relação a vida social, é perfeitamente explicável o facto della, no Brasil, procurar consorciar-se de preferencia com seus patrícios, ao envez de fazer com os brasileiros” (C.N.C, 1934, p.9/10).
Conforme sugerido, há tentativas de justificar os poucos casamentos interétnicos das nikkeis, em que já eram raros casamentos interétnicos por parte dos homens, e isso se torna mais raro quando se tratava de casamentos das nikkeis com brasileiros. Uma vez que os casamentos interétnicos não eram vistos com bons olhos e nem aceitos pela comunidade nipônica, pois na família tradicional japonesa, o casamento era assunto tratado apenas pelos chefes de família e era visto como uma aliança. Ainda, para o arranjo do casamento era necessário um intermediário oficial, esse indivíduo procurava uma noiva conveniente para família interessada e intervinha em todas as negociações existentes. Essa tradição permaneceu também nas famílias japonesas aqui no Brasil, na medida em que eles tentavam preservar fortemente a cultura e a tradição (VIEIRA, 1973). Como exposto, os casamentos interétnicos raramente ocorriam e quando se realizavam eram, na maioria das vezes, contra a vontade da família.
No tópico quatro denominado: “A immigração japoneza, a constituição com e’ de lavradores, destina-se a regiões incultas, onde pouco ou quase nenhuma população existe”, abordou-se questões sobre o pioneirismo do imigrante japonês no Paraná e sua contribuição para o desenvolvimento dessas áreas. Alegam que
“Quem examinar, com serenidade, a acção dos japonezes aqui aportados, de vinte anos a esta parte, observerá por certo, que elles, de preferencia, procuram localizar em regiões de mattas seculares, ou em logares menos prosperos, e, portanto, abandonados. Nessas paragens abriram lucta contra a força da natureza vegetativa e contra a canceira do humo. E essas regiões que primavam pela ausencia quasi que absoluta de seres humanos, constituem hoje pequeninas mas prosperas cidades” (C.N.C, 1934, p.10/11).
Nesse trecho, identificam-se elementos do discurso do pioneiro, em que o imigrante japonês foi caracterizado como o pioneiro colonizador da região e que trouxe avanços. O discurso do pioneiro é baseado nos elementos construídos de desenvolvimento e modernidade, no qual marcam a sua presença por ações benéficas da coletividade (BAO, 2017). Esse discurso baseado em um modelo de ordem, avanço econômico e ocupação de áreas com “tipos humanos inapropriados”, excluía as populações que viviam ali antes da chegada desses “pioneiros”. Por fim, taticamente, recorrem “à ideia de ocupação dos ‘sertões’, justamente num período em que a nação era concebida, de acordo com ideólogos como Cassiano Ricardo, como uma coletividade – apagando-se as contradições – que rumava ao oeste selvagem” (ANDRÉ, 2011, p.81). Outro ponto tratado nesse tópico são os casamentos interétnicos com os nacionais, denominados “indígenas”, por estarem ali antes da chegada desses migrantes, em que os autores argumentam:
“E’ de notar, todavia, que o casamento do japonez com indígena é o mais frequente nesse Estado, porque os primeiros japonezes que se encaminharam a essas regiões se esparramaram entre as populações já existentes, o que favoreceu o cruzamento pelas circumstancia e pelas necessidades individuaes. O problema do casamento, nacional ou internacional, não admitte e nem concebe discussões no terreno theorico. Elle é resultante de um factor natural, adstricto ao ambiente, formado na convivencia dos seres, onde a correspondencia dos sentimentos nivela os sentidos, predispondo-os ao amôr que conduz ao casamento” (C.N.C, 1934, p. 11/12).
Observa-se que nesse fragmento há alguns argumentos emblemáticos, como: o casamento por necessidades individuais, como um fato natural e que ocorre devido aos sentimentos. São emblemáticos, pois, percebe-se uma tentativa de aproximar a cultura japonesa dos padrões culturais ocidentais, na medida em que a noção de “amor que conduz o casamento” era uma noção não muito comum no Japão. Esse tipo de casamento era caracterizado tanto no Japão como no Brasil, principalmente, pelos japoneses da primeira e segunda geração, como uma disputa familiar, que contém uma ausência de negociações e rituais costumeiros (VIEIRA, 1973).
No quinto tópico “Os filhos são sensíveis a’ influencia dos costumes dos meios que adoptam suas mães” tratou-se brevemente o discurso antinipônico e a ideia da inassimilação dos japoneses:
“Não são poucos os críticos que adoptam, como base de sua argumentação, theorias que se traduzem condemnação do japonez, como inassimilavel, porque – allegam elles – não se cruza facilmente com outras raças. Mas, si bem que, de accordo com a doutrina exposta, não seja muito commum o casamento de japonezes com brasileiras, o certo é que delles já existe um grande número [...]” (C.N.C, 1934, p.13).
É enfático, nesse trecho, que os autores do documento conheciam bem os argumentos do discurso antinipônico e tentavam contrapor esses argumentos através de uma apropriação tática do discurso propagado pelos pró-nipônicos, como a ideia de que existia inúmeros casamentos interétnicos, pois isso remeteria diretamente à assimilação dos japoneses. Desse modo, os nikkeis não se apropriaram somente do discurso antinipônico, mas se apropriaram também daqueles discursos propagados a favor da imigração, se reapropriando e ressignificando, de acordo com os seus conceitos.  De acordo com Michel de Certeau (2014) a apropriação não é só um ato apenas de “consumir” ou “assimilar”, mas “significa necessariamente ‘tornar-se semelhante’ àquilo que se absorve, e não ‘torná-lo semelhante’ ao que se é, fazê-lo próprio, apropriar-se ou reapropriar-se dele” (CERTEAU, 2014, p.260/261).
No tópico seis que é a conclusão, discorrem que a solução para a assimilação só seria possível com o auxílio do factor-tempo e que “não acreditamos que o brasileiro intelligente, sensato, deixe de attentar á imperiosa influencia daquelle factor primordial” (C.N.C, 1934, p.14) e que devido a generosidade do brasileiro, iriam ajudar a criar um ambiente desejado para facilitar a assimilação, sobretudo no ponto de vista moral e econômico.
Diante disso, o que se percebe com os seis argumentos reunidos nessa parte do livreto é que os nikkeis tinham consciência tanto do discurso antinipônico como também do discurso pró-imigração e que, para além disso, eles se apropriaram taticamente de ambos os discursos e negociaram o seu lugar de pertencimento na sociedade brasileira, através da elaboração de um novo discurso que parte de seus ideais e visões de mundo. Isso se materializa na produção desse livreto, que além de ser um instrumento tático acaba se tornando também uma estratégia, na medida em que o discurso se torna algo pensado, montado e institucionalizado na forma de papel, ou seja, no livreto, ganhando um lugar.
Referências
Luana Martina Magalhães Ueno é mestranda em História Social pela Universidade Estadual de Londria (UEL). E é membro do Grupo de Pesquisa sobre Cultura Oriental (GPECO) da mesma instituição. E-mail: 8.luana@gmail.com
Cruzamento da ethnia japoneza: hypothese de que o japonez não se cruza com outra ethnia. São Paulo: Centro de Estudo Nipo-brasileiro. Categoria 1: Imigração – Japoneses, nº 113, 14 páginas, 1934.
LOBO, Bruno. Esquecendo os antepassados: Combatendo os Estrangeiros. Rio de Janeiro: Editorial Alba limitada, 1935.
ANDRÉ, R.G. Religião e silêncio: representações e práticas mortuárias entre nikkeis em Assaí por meio de túmulos (1932 – 1950). 2011. Tese (Doutorado em História) - Universidade Estadual Paulista, Assis.
BAO, Eduardo Carlos. O discurso do “pioneiro colonizador” como elitismo cultural na cidade de Toledo/PR. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/emtese/article/view/1806-5023.2017v14n1p155. Acessado em 01/12/2018.
CERTEAU, Michel de. A Invenção do cotidiano. Artes de fazer. Trad. Ephraim Ferreira Alves. Petrópolis: Vozes, 2014.
DEZEM, Rogério. Matizes do Amarelo: A Gênese dos discursos sobre os orientais no Brasil (1879-1908). São Paulo: Associação Editorial Humanitas, 2005.
ENNES, Marcelo Alario. A construção de uma identidade inacabada: nipo-brasileiro no interior do Estado de São Paulo. São Paulo: Editora UNESP, 2001.
LENHARO, Alcir. A sacralização da Política. Campinas: Papirus, 1986.
LESSER, Jeffrey. A negociação da identidade nacional: Imigrantes, minorias e a luta pela etnicidade no Brasil. Trad. Patrícia de Queiroz Carvalho Zimbres. São Paulo: Editora UNESP, 2001.
MAESIMA, Cacilda. Japoneses, Multietnicidade e Conflito na Fronteira: Londrina, (1930/1958). 2012. Tese (Doutorado em História) – Universidade Federal Fluminense, Niterói.
NETO, José Miguel Arias. Pioneirismo: Discurso político e Identidade regional. Disponível em:
SAKURAI, Célia. Romanceiro da imigração japonesa. São Paulo: Editora Sumaré, 1993.
SAKURAI, Célia. Imigração Tutelada: Os japoneses no Brasil. 2000. Tese (Doutorado) – Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.
SAKURAI, Célia. Imigração Japonesa para o Brasil: um exemplo de Imigração Tutelada (1908-1941). IN: FAUSTO, Boris (org.). Fazer a América. São Paulo: EDUSP, 1999.
SETO, Claudio; UYEDA, Maria Helena. 1934. In: SETO, Claudio; UYEDA, Maria Helena. Ayumi (Caminhos percorridos): Memorial da imigração japonesa. Curitiba: Imprensa Oficial do Paraná, 2002.
TAKEUCHI, M.Y. O perigo amarelo em tempos de guerra (1939-1945). São Paulo: Arquivo do Estado: Imprensa Oficial do Estado, 2002.
TAKEUCHI, M.Y.  Japoneses: A saga de um povo nascente. Coord. Maria Luizia Tucci Carneiro.  São Paulo: Companhia Editorial Nacional: Lazuli Editora, 2007.
VIEIRA, Francisca Isabel Schurig. O japonês na frente de expansão paulista: o processo de absorção do japonês em Marília. São Paulo, Pioneira, Ed. da Universidade de São Paulo, 1973.

5 comentários:

  1. Parabéns pelo texto!
    Tenho duas perguntas:
    1. Você menciona o discurso racista e eugenista que privilegiava a imigração europeia como forma de branquear a população brasileira. Além dos japoneses e seus descendentes, você tem alguma informação de como tal discurso afetava outros grupos de imigrantes não brancos que chegavam ao Brasil no início do século XX, como os sírios e libaneses?
    2. O documento analisado foi escrito poucos anos antes da eclosão da Segunda Grande Guerra. Como o início do conflito influenciou os imigrantes japoneses (para além, claro, da proibição da imigração, já mencionada no texto), principalmente no que diz respeito àqueles que se encontravam em matrimônio com brasileiros?
    João Marcos Cilli de Araujo

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    1. Olá, João.

      Obrigada!

      Tenho breves conhecimentos sobre outros imigrantes que não pertenciam a esse grupo considerado de raça branca (chineses, libaneses, sírios). Todos eles foram considerados indesejáveis, de formas diferentes, mas não eram visto com bons olhos por esses políticos, intelectuais eugenistas. Tenho mais conhecimento sobre a imigração chinesa, em que eram foram retratados, como ladrões de emprego, perigosos, etc. Bem parecido com os discursos que foram transpostos aos japoneses. Agora sobre os libaneses e os sírios tenho pouco conhecimento, sei que eles também resistiram a esses discursos racialistas de diversas formas. Posso te indiciar um livro do Jeffrey Lesser: "A negociação da identidade nacional: imigrantes, minorias e a luta pela etnicidade no Brasil". Nesse livro tem um capítulo dedicado as imigrações dos libaneses, caso tenha curiosidade em saber mais.

      Agora sobre a segunda pergunta, é difícil dizer como afetou nos matrimônios, pois não tenho muito conhecimento sobre já que minha pesquisa se limitou até 1934. No entanto, sei que com o rompimento das relações do Brasil com as potências do eixo acabou afetando duramente a comunidade nipônica, pois começa uma repressão cultural e de cerceamento político, em que se estabeleceu uma série de restrições, como: em 1932 foi proibido o ensino da língua japonesa aos menores de dez anos e em 1934, aos de quatorze anos. Já em 1938, impôs-se o ensino nacional e proibiu-se o uso de língua estrangeira em público, como também em 7 de fevereiro de 1938, proibiu-se as transmissões radiofônicas, circulação de jornais, livros e revistas em língua estrangeira. Eles eram caracterizados como um perigo a segurança nacional, já que eram suspeitos de atos de sabotagem e espionagem, tanto que em 8 de julho de 1943, depois de um ataque a navios brasileiros que tinham saído do porto de Santos, foi provocado uma retirada de 1.500 nipônicos residentes no litoral paulista, pois esse ataque foi considerado ato de espionagem e que resultou nessa medida de evacuação. A impopularidade dos nipônicos era tão grande que começaram ocorrer denúncias populares, isso reforçado por uma intolerância racial e o medo de que eles fossem pequenos soldados do Imperador. Então, a vida desses imigrantes e de seus descendentes foi duramente afetada desde o âmbito público como também na vida privada.

      Luana Martina Magalhães Ueno

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  2. Ótimas considerações! A partir dos seis argumentos citados no livreto, considerando que os nikkeis se apropriaram taticamente dos discursos e negociaram o seu lugar de pertencimento na sociedade brasileira, minha dúvida seria, atualmente existiria uma identidade puramente nipo-brasileira? Ou seriam indícios de assimilação de discursos de uma elite nacional ou negociações entre as relações de poder entre culturas distintas? Poderia discorrer mais sobre o assunto? Grata desde já! Att. Vivian Iwamoto

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    1. Olá, Vivian.

      Bom, acho que não existe uma identidade puramente nipo-brasileira, mas uma identidade hibrida, pois é possível notar no processo da imigração e da inserção dos nikkeis, no Brasil, uma espécie de negociação entre a cultura e a tradição japonesa com a cultura brasileira. Atualmente, acredito que há mais uma identidade brasileira, pensando nas gerações de hoje, ou seja, a partir da terceira geração em diante, porque, ao meu ver, está surgindo um discursos sobre as perdas das características japonesas nessas gerações, isso biologicamente quanto culturalmente, é perceptível esses discursos nas comemorações de aniversário da imigração japonesa. Essa busca por uma identidade mais abrasileirada inicia mais fortemente a partir dos anos de 1960 a 1980, quando se reformula o discurso em relação aos nikkeis, começam a ser vistos como bem sucedidos e intelectuais por ocuparem as vagas na universidade. No entanto, podemos perceber pequenos indícios dessa busca pela brasilidade no documento analisado, mesmo que internamente seja algo apenas para legitimar o discurso de resistência em relação aos discursos antinipônicos.

      Luana Martina Magalhães Ueno.

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  3. Olá Luana, parabéns pela pesquisa.


    1. Gostaria que comentasse como se davam as relações do mercado matrimonial entre os recém chegados, sobretudo a postura masculina pelo fato do texto apontar para uma superioridade numérica dos homens. como eram os arranjos nesse sentido?


    2.É nítido no texto a organização da comunidade japonesa na construção do escrito e da apropriação dos argumentos antinipônicos. Gostaria que fizesse um breve comentário sobre o impacto político do livreto na sociedade da época e qual sua importância dentro da seara intelectual.


    Wellington Lucas dos Santos

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